segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Toque de recolher para a juventude rebelde



Venho divulgar e republicar texto publicado no sitio viomundo no dia 26 de agosto do corrente ano! Tal texto trata da prática a que se tem recorrido no Brasil a fim de conter a juventude outsider. Quando tal categoria de indivíduos não está inscrita em algum dos projetos e objetivos sistêmicos como meros obreiros ou matéria prima, então esta é encarada como problema para este próprio sistema e que deve ser isolado, quando não eliminado.  Assim, veja-se o texto, profundamente critico acerca de tais dinâmicas repugnantes de punição/docilização!



 Kenarik Boujikian: Toque de recolher, juventude ou gado?

por Kenarik Boujikian Felippe
Projeto de lei apresentado em agosto de 2011, na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, quer tratar os adolescentes como gado, que se leva ao pasto e depois recolhe, mas com jovem, tem que ser diferente.
O projeto de lei, que fere todos os princípios que norteiam as normas vigentes, estabelece que será vedado aos menores de 18 anos desacompanhados de mãe, pai ou responsável, no período das 23h30 (vinte e três horas e trinta minutos) às 5h (cinco horas):  transitar ou permanecer nas ruas; entrar ou permanecer em: restaurantes, bares, padarias, lanchonetes, cafés ou afins; boates, danceterias ou afins; lan houses, casas de fliperama ou afins;  locais de freqüência coletiva.
Prevê a criação de equipes, que compostas por policiais civis ou militares, além de conselheiros tutelares, farão ronda, com a finalidade protetiva de recolher os menores de 18 (dezoito) anos que estiverem em  situação de risco, que estejam expostos a qualquer tipo de: ilicitude;  comportamento impróprio para sua faixa etária; insalubridade; situação degradante. Exemplifica situações de risco como as que envolvem as seguintes práticas: consumo de bebida alcoólica, cigarro ou qualquer outra droga, por menor de 18 (dezoito) anos; prostituição; audição de som em alto volume, propagado por veículos particulares ou estabelecimentos comerciais; condução de veículo automotor, por menores de 18 anos.
Em algumas cidades, de diversos estados, já existe lei municipal (inconstitucional), que têm a mesma formatação.
O tratamento que se pretende dar à juventude é a mesmo dispensado àqueles que cometeram crimes e foram condenados.
O direito fundamental de ir e vir está previsto na constituição federal e o estatuto jurídico do preso é exceção à regra, nos termos da própria constituição.
Assim, a Lei de Execução Penal prevê que podem ser impostas ao condenado no livramento condicional, como condição, recolher-se à habitação em hora fixada (artigo 132, parágrafo 2º); para o condenado que cumprirá a pena em regime aberto  o juiz estabelece a condição de sair para o trabalho e retornar nos horários fixados (artigo 115, II); nas saídas temporárias, o juiz fixa a condição de recolhimento à residência visitada, no período noturno (artigo 124, II).
A limitação espacial, num estado democrático, é medida da maior gravidade.
A regra é o gozo do direito fundamental de ir e vir. Exceção constitucional ao direito de locomoção é a vigência do estado de sítio, quando será possível determinar a obrigação de permanência em localidade estabelecida, lembrando que esta medida exige a intervenção do Presidente, Conselho da República e Congresso Nacional, dada às suas conseqüências nefastas. Só pode ser decretada em razão da ineficiência do estado de defesa, comoção grave ou declaração de estado de guerra, e, ainda, deve ser por tempo determinado.
Nas cidades onde existe o “toque de recolher”, os jovens foram alçados à condição de condenados ou inimigos do estado.
Tratar a juventude, pela circunstância de serem crianças ou adolescentes, como condenados, é desrespeitar a natureza de humano das pessoas e não ver as crianças e os adolescentes como sujeitos de direito.
Alguns Tribunais já enfrentaram a matéria e foi declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Neste sentido, a decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, de junho de 2011, na ADIN 2010.014498-7, referente à lei municipal de Tubarão, relatada pelo desembargador Lédio Rosa de Andrade, que traz lição de Rosinei Paes Anselmo:
Em pleno século XXI, deparamo-nos com práticas que remontam ao período medieval e ditatorial nas questões relacionadas ao direito da criança e do adolescente.
Questão que comprova essa situação é o toque de recolher – proibição de circulação de crianças e adolescentes nas ruas no período noturno, adotado em algumas cidades do país, por meio de lei municipal ou por portaria de juízes da infância e juventude.
A medida é um retrocesso que retoma o pensamento da idade média e do “período de chumbo”, segundo o qual os direitos e garantias individuais eram ignorados, notadamente no que diz respeito à criança e ao adolescente”.
O mesmo órgão já decidira, em março, em caráter liminar, a inconstitucionalidade da lei do “toque de proteger”, da cidade de Guaramirim, no processo 2010.060882-1, cujo relator foi o desembargador Eládio Torret Rocha, que apontou que “instituir toque de proteger (ou de recolher) tolhe o direito de ir, vir e ficar das crianças e dos adolescentes, implicando em negativa das suas qualidades de sujeitos de direito e, conseguintemente, em violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Ele afirma:
“A clausura tem o efeito de lhe prejudicar o sadio desenvolvimento, eis que o priva da convivência com seus pares, cujas experiências, boas ou más, revelam-se imprescindíveis para a sua plena formação humana como indivíduo adulto. O sacrifício da liberdade física não condiz, ademais, com um Estado Constitucional e Democrático de Direito, o qual assenta-se sobre o princípio da dignidade da pessoa humana e a supremacia dos direitos fundamentais. Muito ao contrário. Evidencia-se, nessa prática, instituto típico dos estados autoritários e policialescos, destinado à segregação dos estratos sociais pauperizados e, por isto mesmo, marginalizados, consubstanciando-se, pois, verdadeira limpeza social.
A salvaguarda de nossos jovens não perpassa o manietamento de seus direitos fundamentais, mas a atuação pontual e efetiva da família, da sociedade e do Estado – aqui compreendido em seus entes tripartites: União, Estados-membros e Municípios – em exigir e cumprir as suas atribuições, competências e responsabilidades sociais, econômicas e jurídicas em tema de infância e juventude”.
Não duvido que a medida tenha respaldo de parcela da sociedade, de pais que priorizam o mais cômodo, que abdicam das suas relações e responsabilidades, preferem não ver o irracional que nela esta contida, na medida que estas normas são originárias do perverso sentimento do medo, que segundo Lenine e Julieta Venegas:
“O medo é uma linha que separa o mundo
O medo é uma casa aonde ninguém vai
O medo é como um laço que se aperta em nós
O medo é uma força que não me deixa andar”.
Preocupante saber que o “toque de recolher” foi idealizado em algumas cidades, por portaria do Poder Judiciário.
Mas alguns tribunais já decidiram pelo afastamento destas portarias e o Conselho Nacional de Justiça, em decisão de março de 2010, no processo 0002351-58.2009.2.00.0000 (200910000023514), promovido pelo Ministério Público de Minas Gerais, relator Ministro Jorge Hélio Chaves de Oliveira, apontou que a portaria atenta contra qualquer sorte de razoabilidade, reduz o princípio da legalidade e extrapola os limites delineados pelo ECA e os excessos praticados pelo magistrado, usurpando, inclusive, competência privativa da União para legislar sobre direito civil, penal, comercial processual (artigo 22 da CF/88), as determinações de caráter geral estabelecidas pela Portaria ainda ofendem os artigos 5º, II; 227, §§3º e 4º e 229, todos da Carta Constitucional, além do artigo 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Não podemos deixar de enxergar os malefícios  que causam para a construção de uma República, que tem por fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1º da CF), constituindo um de seus objetivos a promoção do bem estar de todos sem preconceito de idade e outras formas de discriminação (art. 3º, inciso IV da CF).
Se mantidas as normas e portarias estaremos a cercear o desenvolvimento natural de praticamente toda a infância e adolescência, dos jovens brasileiros, vitimizando-os, pois o estado colocará na conta da juventude, punindo-os, pela sua incapacidade de realizar políticas públicas de segurança,  eficazes.
O que esperar de pessoas que não puderam ter um desenvolvimento sadio e seguro?
A medida está na lógica do estado policial. Suas raízes se fundam na relação de controle, que não está e nem pode estar ao alcance  das relações humanas.  A base para relações sadias deve ser a relação de confiança para que seja possível ter crianças e jovens efetivamente protegidas.
Interessante saber que encontramos no pensamento de muitos jovens, os fundamentos das decisões referidas. Colho como fonte, recente trabalho realizado na Escola Móbile, em São Paulo, por jovens do 9º ano, que não são atingidos por estas restrições, e que exercitaram a escrita de carta argumentativa sobre o tema. Destaco algumas passagens, que dizem mais do que qualquer coisa:
“Os adolescentes devem aprender a lidar com ela (liberdade) e com as responsabilidades que traz. Ao invés de criar uma lei que restrinja a liberdade dos adolescentes, seria infinitamente mais benéfico para a sociedade criar leis que ensinem o jovem a utilizar essa liberdade sem infringir a liberdade alheia. Além disso, é preciso constatar que se o adolescente não sabe ser livre, o futuro adulto também não saberá” (texto 2).
“A lei por Vossa Excelência implantada pode não ser a melhor maneira de evitar que os jovens se droguem, bebam ou deixem de estudar… Proibir os adolescentes de sair de casa após às 23h00 significa tirar deles …importante momento de socialização.
“Proibir os jovens de sair durante a noite não os impede de beber ou se drogar”  (texto 3).
“Como somos todos obrigados a seguir os artigos da Constituição, creio que o toque pode ser considerado ilegal…para diminuir a quantidade de jovens envolvidos com drogas, prostituição e álcool, devem ser feitas campanhas para alertar os pais e estes não devem ser punidos pelos atos dos filhos.
Há sim aqueles que se envolvem com álcool, drogas e até mesmo prostituição, porém, há também os que não se utilizam destas drogas. É desvantagem para os segundos terem como punição o mesmo que os primeiros…o dever de cuidar dos adolescentes ser de seus próprios pais, e não do governo, sendo eles os responsáveis por dizer aos filhos quando devem voltar para dormir para não atrapalhar os estudos” ( texto 4).
“Todos estão em perigo quando se encontram nas ruas, problema esse de segurança pública, a qual deve ser urgentemente melhorada. Entretanto, apesar de a norma implantada objetivar a proteção do jovem, acaba intervindo em sua liberdade e agredindo o artigo 5º da Constituição….o jovem está pagando com sua liberdade pelos problemas de segurança. Além disso…penaliza a todos.
O governo não é responsável pelo controle do jovem, mas sim pela segurança oferecida a ele” (texto 5).
“Creio que o senhor saiba que não permitir a circulação dos jovens depois de certo horário desrespeita o artigo 5º da Constituição, que determina o “direito de ir e vir”.
Mas será que a lei está cumprindo totalmente seu objetivo ou está apenas sacrificando parte da liberdade dos jovens?….sabemos que o diálogo é algo muito importante durante a adolescência… O diálogo entre os jovens e os pais também é limitado pelo toque: as famílias acabam não discutindo sobre quais são as “partes boas” e as “partes ruins” de ficar sozinho à noite na rua, os males que as drogas podem fazer, entre outros assuntos… Entendo que sua intenção era proteger os jovens, por isso, sugiro que seja investido dinheiro em educação (para os adolescentes entenderem os males das drogas, por exemplo) e em rondas policiais noturnas… e dar mais segurança aos jovens que saem à noite sem más intenções” (texto 6).
“Tenho noção dos limites que existem para um Juiz… Essa (portaria) criada por Vossa Excelência é genérica, tendo efeito de lei, por atingir qualquer jovem de minha região. Como repito e o senhor sabe, não cabe a um Juiz criar uma lei, isso podendo ser considerado um crime contra as normas do país…O direito de ir e vir cabe tanto para adultos quanto para adolescentes” (texto 7).
“Esta lei pretende tirar a função educacional dos pais, alegando que estes não têm “controle” sobre seus filhos. Certo ou errado, é direito e obrigação dos pais avaliar o que é melhor para seus filhos e prepará-los para a vida.
Aliás, esta medida não é exatamente inovadora, pois a primeira via que os ditadores fazem… é decretar um toque de recolher… com a desculpa de estar “protegendo” o povo. Certamente sua intenção não é a mesma, mas o precedente é perigoso…esta regra precisa ser revogada. São necessárias outras medidas para “acolher” o povo” ( texto 10).
“A Constituição brasileira diz que é livre a locomoção no território nacional em tempos de paz. Nós estamos em tempos de paz, contudo a livre locomoção para os jovens foi restringida. Essa lei é, portanto, inconstitucional…argumento usado é que essa lei coloca horários para os adolescentes dormirem para que possam ter um bom rendimento escolar…não é certo que o jovem irá para a cama depois do toque…o horário de volta e o rendimento escolar é algo a ser discutido com os pais, não sendo necessária a intervenção do estado. Isso apenas enfraquece as relações familiares…o toque de recolher é uma medida que deve ser revogada. Deve-se pensar na liberdade do ser humano” (texto 11).
“Não são todos os adolescentes que se envolvem com delitos, drogas e brigas. Então, essa lei é injusta com os jovens que querem sair até tarde apenas para ir ao cinema, a restaurantes, shoppings, etc.
Também é uma questão de confiança entre pais e filhos: limitar brutalmente a liberdade dos adolescentes não é a solução para acabar com o envolvimento de menores de idade com drogas ou roubos. Os jovens devem aprender a serem responsáveis por conta própria, com suas próprias experiências, e não pela imposição dos pais ou do governo” (texto 12)
Não podemos seguir o caminho de criminalização da juventude. Sabemos quem serão os mais atingidos. Temos uma gigantesca normativa de proteção de direitos humanos, seja no âmbito internacional e nacional (especialmente a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e Adolescente). Já não passou da hora do Estado cumprir as suas obrigações com suas crianças e adolescentes?
Liberdade é o componente necessário para que os seres humanos desfrutem da condição humana. Se queremos jovens que assumam a vida deste país não podemos deixar de vê-los, como são: sujeitos de direitos, dotados de todos os direitos e fundamentais e não objeto de intervenção do estado.
Não podemos esconder problemas, temos que resolvê-los.
Kenarik Boujikian Felippe, juíza de direito da 16ª Vara Criminal de SP, co-fundadora e ex-presidente da Associação Juízes para  Democracia.


sábado, 27 de agosto de 2011

Microcontribuição para a transição paradigmática




Após divulgar as atividades acadêmicas que ocorrerão (entre tantas outras em articulação) no âmbito da Universidade Católica de Pelota e do Mestrado em Política Social, em busca da produção de conhecimento, de reflexão e de insurgência – em resumo – de um resgate do potencial emancipatório do saber, da comunhão de saberes incluída, também, a ciência!!

E neste âmbito que tais atividades tem se concentrado em acesso à Justiça, Direitos Humanos e Construção da Cidadania/Democracia. E nesta linha, trago uma entrevista de um cidadão inglês à BBC, manifestando-se em relação as insurgências e aos acontecimentos que tem ocorrido na Inglaterra recentemente..Tal fala resgata novamente a questão da juventude e a sua potencialidade de emancipação social, assim como também resgata diversas questões de suma importância para uma transição paradigmática (de que fala Boaventura Santos), tais como a questão do conhecimento (saber prudente para uma vida decente) e que entre outras coisas, é saber aceitar e confraternizar com o outro, não sendo este outro, um estranho, mas a continuação de nos mesmos e vice-versa... a formar uma sociedade plural e democrática!!

Concordamos com o cidadão inglês (da entrevista) que algo está acontecendo no mundo.. mas que o sistema mundo teima em não ver, ou não querer ver/aceitar!!

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

atividades acadêmicas deste segundo semestre!!

Caríssimos.. é com imenso prazer que venho divulgar, ainda sem grandes informações mais especificas, duas atividades que ocorrerão no âmbito das atividades acadêmicas da Universidade Católica de Pelotas (UCPel). 

Muito provavelmente em setembro, a prof. Dra. Fabiana Marion Spengler, e evento/palestra/diálogo.. enfim.. sobre Acesso à Justiça!
A professora é autora de livros como: Da Jurisdição à Mediação: para uma nova cultura no tratamento dos conflitos; e , Os (des)caminhos da Jurisdição; 


E, ao que me consta até o momento em conversa com Marcelo Moura e no próprio twitter de um dos autores (Marcelo Mayora), em 20 de outubro, atividade de lançamento do livro, Criminologia Cultural e Rock, ou a Criminologia de Garagem, com professor Salo de Carvalho, Moyses Pinto Neto, Marcelo Mayora e Jose Antonio Linck.

Criminologia intra-venosa e muito rock and roll.

Maiores informações sobre ambos os eventos, assim que forem sendo efetivadas e encaminhadas as organizaçõese procedimentalidades.

domingo, 21 de agosto de 2011

O (incerto) futuro da pós-graduação no Brasil e o seu compromisso com a formação rebelde


Repasso o texto que tem circulado na internet, nas redes sociais, e que, nada mais é que um grande manifesto, diante da possibilidade iminente da total deturpação do potencial formador da pós-graduação no Brasil e o seu caráter pensante/reflexivo amedrontador para o sistema!

Neste sentido, repasso tal texto, num sentido de comunicar as lutas de que fala Negri, para abaixo trazer justamente uma conferência do próprio Boaventura Santos.. que assinala o compromisso da universidade e da formação acadêmica com um mundo de autores tensionantes, pensantes, rebeldes como propõe Alain Touraine para manter viva uma proposta de mundo melhor.. através de uma globalização contra-hegemonica, mais plural e democrática. 
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O aniquilamento da pós-graduação em Direito no Brasil


O MEC divulgou novas regras que restringem a oferta de cursos de especialização em Direito e, paradoxalmente, propõe/incentiva que, aqueles que desejarem oferecer cursos lato sensu (especializações), façam-no sob a forma de “cursos livres” (sic). Explicando: segundo o MEC, “as organizações [leia-se sindicatos, Escolas da Magistratura, ONG’s, Universidades corporativas] continuarão podendo oferecer os seus cursos. No entanto, eles serão considerados cursos livres e não uma pós-graduação”...! Lê-se ainda que “A saída indicada pelo MEC às instituições não educacionais é transformar o curso lato sensu em mestrado profissional. Essa modalidade da pós-graduação é gerenciada pela Capes”.
Vejamos o que choca nas recentes notícias advindas do MEC: os cursos de especialização poderão ser transformados em mestrado, porque serão considerados cursos “livres”. Mestrado profissionalizante: eis a palavra mágica neste momento. E por quê? Porque há algo não dito no discurso do MEC e da Capes, qual seja, o de que o mestre profissional, segundo a legislação, tem seu diploma equiparado ao do mestre acadêmico (vamos ver as complicações adiante, na área do Direito).
Explicitemos melhor isso. Com mais de 2.000 cursos de especialização em andamento, vem agora a notícia de “facilitação” para que estes cursos — ou aqueles não reconhecidos pelo MEC — sejam transformados em (pasmem) “mestrados profissionalizantes”. Acompanhemos: para o caso da pós-graduação lato sensu, para receber o credenciamento especial do MEC, as instituições tinham que atender a algumas exigências, como carga horária mínima de 360h e pelo menos 50% do corpo docente formado por mestres e doutores. Para criar um mestrado profissional, a resolução da Capes fala apenas em “apresentar, de forma equilibrada, corpo docente integrado por doutores, profissional e técnico com experiência em pesquisa aplicada ao desenvolvimento e à inovação”. Ou seja, parece que o MEC e a Capes apontam para o fato de que deve ser mais fácil oferecer um mestrado profissional do que uma especialização...! Facilitar a pós-graduação estrito senso em Direito? Para que(m) isso serviria? Iria melhorar o nível dos nossos bacharéis, que já sofrem tanto para superar o Exame da OAB, por exemplo? Isso ajuda a quem? E quem zela pela qualidade? Ou teremos centenas ou milhares de cursos de pós-graduação com mestrado profissional, formando mestres, que poderão entrar na conta do MEC para avaliar as faculdades (ou seja, um mestre profissional em Direito é igual a um mestre acadêmico — veja as formações como são diferentes).
O debate acerca dos mestrados profissionalizantes vem perpassando os últimos Comitês de Área do Direito junto a Capes. Refira-se que até hoje nenhum curso de mestrado profissional foi aprovado na área do Direito. Efetivamente, os argumentos favoráveis à implementação dos MP’s são, em verdade, paradoxais, uma vez que, de um lado, apontam para o esgotamento do modelo acadêmico e, de outro, apostam em uma concepção de Direito que se mostra frontalmente antitética com aquilo que a academia jurídica vem sustentando deste os anos 80 do século passado.
Ora, a graduação em Direito, assim como os milhares de cursos de especialização, já possuem “nítido perfil profissionalizante”. E no que resultou isso? A resposta é fácil: disso resultou a crise do ensino jurídico e a crise de efetividade da prestação jurisdicional. Assim, se se examina os documentos do MEC, vê-se que os cursos de especialização têm exatamente a função que se quer para o mestrado profissionalizante. Tal especificidade, como sabem todos — ou deveriam saber —, não existe nas outras áreas do conhecimento e sempre foi uma das bandeiras levantadas para se exigir da Capes-MEC um olhar responsável e diferenciado à área do Direito, o que é necessário e inadiável. Além do mais, demonstra que a “lacuna” que a Capes-MEC pretende preencher já está sendo preenchida no Direito por cursos lato sensu (agora, “cursos livres”).
Nesse mesmo contexto, veja-se como os argumentos que vêm sendo utilizados a favor dos MP’s podem ser esgrimidos a favor do atual modelo (acadêmico): i) ao argumento de que, no modelo dos MP’s, os professores poderiam ser buscados fora da academia — em uma espécie de “mundo profissional” (como se fosse possível fazer uma distinção de tal nível). Cabe ressaltar que, de há muito, essa já é uma importante especificidade da área do Direito, pela maciça presença de profissionais (magistrados de todas as instâncias, membros do Ministério Público de todas as instâncias, membros das demais carreiras jurídicas, como Defensoria Pública, Advocacia-Geral da União, Tribunais de Contas, advogados especializados nos diversos ramos jurídicos) lecionando nos programas de mestrado e doutorado do país, parcela considerável deles coordenada por tais profissionais (o MEC e a Capes não fizeram essa conta e não se perceberam disso? — eles tem todos os elementos na composição do corpo docente dos Programas Estrito Senso); ii) toda a luta travada nas últimas décadas tem sido no sentido de que o Direito é um campo que não pode ser cindido da filosofia, da ciência política, da sociologia, da economia, da história e assim por diante. Observe-se que o documento de área (resumo-programa elaborado pelo representante de área, ouvida toda a área do Direito) vem afirmando, há várias gestões, a necessidade de intertransdisciplinaridade. Por conta disso, os programas de pós-graduação em Direito vêm avançando muito nessa direção e, justo por tal razão, a qualidade da produção dos programas tem tido um avanço reconhecido, algo que se pode perceber (para se ficar tão só em um exemplo) na área do Direito Constitucional após a Constituição da República de 1988: o que se fez não é mero reflexo da referida “tecnicidade-dogmatização” e, sim, um trabalho transformador e que possibilitou sentidos os mais variados, mas sempre democráticos; iii) ao argumento de que formamos “poucos mestres” — e é neste obscuro argumento que se encontra o “drible hermenêutico” representado pela formação maciça de “mestres profissionais” que, inexoravelmente, irão para a sala de aula — cabe responder que o sistema de pós-graduação stricto sensu Capes, composto de 75 mestrados e 27 doutorados, formou, na modalidade mestrado acadêmico, 4.379 no triênio 2003-2006 e 4.569 no triênio 2007-2010 (totalizando, nestes seis anos, 8.948 mestres).
Com a agregação dos novos cursos em funcionamento, que não foram objeto da avaliação trienal, ter-se-á, no próximo triênio, o expressivo número de 6.500 dissertações defendidas, levando em conta a taxa de sucesso de 85%. Com o incremento dos Minter’s — mestrados interinstitucionais —, haverá o incremento de mais 2.000 mestres. Assim, somando-se os 6.500 mestres do fluxo normal, mais os provenientes dos Minter’s aos 8.948 mestres formados nos triênios 2003-2006 e 2007-2010, alcançar-se-ia o expressivo número de 17.440.
Por fim, é preciso ter presente sempre — e sempre! — que nunca houve decisão formal da Área do Direito junto à Capes contra a legislação em vigor, o que seria um absurdo técnico, como é primário. A área do Direito, porém, desde a coordenação do professor Luiz Edson Fachin — e também naquela do professor Fernando Scaff, assim como, mais tarde, na gestão do professor Jacinto Coutinho sempre decidiu — em reuniões às quais todos os programas foram chamados e puderam participar ativamente — exigir para a criação de tais cursos de mestrados profissionais, mutatis, mutandis, os mesmos requisitos exigidos à criação dos mestrados acadêmicos. As razões para tanto são as mais variadas e se encontram em vários documentos extraídos de tais reuniões. Um deles, porém, deve ser analisado e repetido até cansar: por lei, o diploma do mestrado profissionalizante tem o mesmo valor daquele do mestrado acadêmico!
Ora, diante de algo do gênero, por que se haveria de não cobrar dos programas (ao proporem tais cursos) a seriedade que sempre se exigiu das propostas dos mestrados acadêmicos, mudando o que deve ser mudado, por óbvio? Em suma, a área do Direito, por sua especificidade, sempre entendeu que, se existisse um mestrado com aspecto de especialização, mas com um título vero e próprio de mestre (o que deflui de lei), deveria-se cobrar as exigências mínimas que sempre se cobrou dos mestrados acadêmicos. E nunca foi isso nenhum demérito. Afinal, tratava-se de matéria legal e ela precisava ser observada seriamente. Eis por que jamais vingou sequer um novo curso, sempre propostos (APCN) sem o preenchimento dos requisitos necessários ao deferimento dos pedidos.
Vista a questão pelo aspecto econômico, saltam logo à ribalta as Instituições que invocam o “mercado”. Neste aspecto, sobre a equação ensino-do-Direito-mercadoria,ninguém, no arsenal do conhecimento do ensino brasileiro, conhece melhor essa matéria do que “a gente da área do Direito”. Com mais de 1.200 faculdades produzindo bacharéis, sabe-se bem quem foi ao patíbulo: a qualidade! Os Exames de Ordem que o digam! Por isso, precisamos do apoio da OAB para a questão, zelosa que é da qualidade!
Numa palavra: esgotados — ou quase — os espaços para novas faculdades (fala-se muito em crise financeira de algumas instituições, mormente pela inadimplência), o passo seguinte no avanço do “mercado” parece ser a pós-graduação, ainda preservada por conta de regras rígidas da própria Capes que garantem limites. Superados os últimos bastiães, restará esperar que o mercado (do ensino de pós-graduação) selecione quem vai nele ficar...! É a lógica “do mercado”, antiética (não seria aética?) como sempre. Enquanto o mundo arde, no Brasil, como sempre, alguns estocam lenha e combustível. Eis mais uma crônica de uma morte anunciada!


[1] Ex-coordenadores da Área de Direito na Capes.
Fernando Facury Scaff é advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados; é doutor em Direito e professor da USP.
Gilberto Bercovici é advogado e professor da USP e do Mackenzie.
Jacinto Nelson de Miranda Coutinho é advogado e professor doutor titular de Direito Processual Penal da UFPR.
Luiz Edson Fachin é advogado, professor de Direito Civil da UFPR e da PUC-PR.
Ricardo Pereira Lira é advogado e professor da UERJ.

Revista Consultor Jurídico, 17 de agosto de 2011
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Conferencia de Boaventura de Sousa Santos - assinalando (ao seu final) o compromisso da universidade, dos estudantes, da academia com um projeto de mundo e sociabilidade alternativa, a partir da capacidade pensante e rebelde, inconformista!!


quarta-feira, 17 de agosto de 2011

contribuição de Boaventura de Sousa Santos, acerca da rebeldia juvenil na Inglaterra


" Um modelo social que tem poderes e recursos para resgatar bancos, mas não tem recursos para resgatar a desesperança da juventude, cria casmpos de concentração de ódio " ( fragmento do conteúdo )

TENDÊNCIAS/DEBATES
caos da ordem
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS
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Em Londres, estamos perante a denúncia violenta de modelo que tem recursos para resgatar bancos, mas não os tem para uma juventude sem esperança 
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Os motins na Inglaterra são um perturbador sinal dos tempos. Está a ser gerado nas sociedades um combustível altamente inflamável que flui nos subterrâneos da vida coletiva sem que se dê conta.Esse combustível é constituído pela mistura de quatro componentes: a promoção conjunta da desigualdade social e do individualismo, a mercantilização da vida individual e coletiva, a prática do racismo em nome da tolerância, o sequestro da democracia por elites privilegiadas e a consequente transformação da política em administração do roubo "legal" dos cidadãos. Cada um dos componentes tem uma contradição interna.Quando elas se sobrepõem, qualquer incidente pode provocar uma explosão de proporções inimagináveis. Com o neoliberalismo, o aumento da desigualdade social deixou de ser um problema para passar a ser a solução.A ostentação dos ricos transformou-se em prova do êxito de um modelo social que só deixa na miséria a maioria dos cidadãos porque estes supostamente não se esforçam o suficiente para terem êxito.Isso só foi possível com a conversão do individualismo em valor absoluto, o qual, contraditoriamente, só pode ser vivido como utopia da igualdade, da possibilidade de todos dispensarem por igual a solidariedade social, quer como agentes dela, quer como seus beneficiários.Para o indivíduo assim construído, a desigualdade só é um problema quando lhe é adversa; quando isso sucede, nunca é reconhecida como merecida. Por outro lado, na sociedade de consumo, os objetos de consumo deixam de satisfazer necessidades para as criar incessantemente, e o investimento pessoal neles é tão intenso quando se têm como quando não se têm.Entre acreditar que o dinheiro medeia tudo e acreditar que tudo pode ser feito para obtê-lo vai um passo muito curto. Os poderosos dão esse passo todos os dias sem que nada lhes aconteça. Os despossuídos, que pensam que podem fazer o mesmo, acabam nas prisões.Os distúrbios na Inglaterra começaram com uma dimensão racial. São afloramentos da sociabilidade colonial que continua a dominar as nossas sociedades, muito tempo depois de terminar o colonialismo político. Um jovem negro das nossas cidades vive cotidianamente uma suspeição social que existe independentemente do que ele ou ela seja ou faça.Tal suspeição é tanto mais virulenta quando ocorre numa sociedade distraída pelas políticas oficiais da luta contra a discriminação e pela fachada do multiculturalismo.O que há de comum entre os distúrbios da Inglaterra e a destruição do bem-estar dos cidadãos provocada pelas políticas de austeridade comandadas por mercados financeiros? São sinais dos limites extremos da ordem democrática.Os jovens amotinados são criminosos, mas não estamos perante uma "criminalidade pura e simples", como afirmou o primeiro-ministro David Cameron.Estamos perante uma denúncia política violenta de um modelo social e político que tem recursos para resgatar bancos e não os tem para resgatar a juventude de uma vida sem esperança, do pesadelo de uma educação cada vez mais cara e mais irrelevante, dados o aumento do desemprego e o completo abandono em comunidades que as políticas públicas antissociais transformaram em campos de treino da raiva, da anomia e da revolta.Entre o poder neoliberal instalado e os amotinados urbanos há uma simetria assustadora. A indiferença social, a arrogância, a distribuição injusta dos sacrifícios estão a semear o caos, a violência e o medo, e os semeadores dirão amanhã, genuinamente ofendidos, que o que semearam nada tem a ver com o caos, a violência e o medo instalados nas ruas das nossas cidades.

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, sociólogo português, é diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (Portugal). É autor, entre outros livros, de "Para uma Revolução Democrática da Justiça" (Cortez, 2007).

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Zygmunt Bauman, entrevista para Fronteiras do Pensamento


Anteriormente tinha vindo aqui a fim de expressar o meu profundo pesar, quando soube da vinda de Zygmunt Bauman à Porto Alegre, mas logo tomei conhecimento também que tal palestra seria para poucos, tendo em vista o preço cobrado para a inscrição do evento.

Um tempo depois, fiquei sabendo também, que sequer Bauman viria, mas que gravaria uma entrevista que seria transmitida no evento. E, os organizadores divulgaram a entrevista na integra. O que agora compartilho com os Srs. Trabalhando ótimas questões espraiadas ao longo de sua obra.!! Bom vídeo!

Mas ainda fica a critica ao preço do evento! Que deveria ter sido realizado a fim de permitir a maior participação da comunidade acadêmica que tanto tem debatido temas como democracia e veiculo de participação e produção de conhecimento alternativo e insurgente !! 

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A criação da juventude – Jon SAVAGE


Esta postagem é no sentido de reconhecer a minha ignorância, diante de uma obra, que comprei sem qualquer indicação ou referencia. Apenas, na busca de material para o projeto de dissertação.. encontrei esta obra chamada  A criação da Juventude: como o conceito de teenage revolucionou o século XX de Jon SAVAGE.

Através do muito breve resumo que tive acesso na internet acabei me interessando e adquirindo. Entretanto, entre outras obras que adquiri junto, acabei pensando que havia feito uma ma aquisição, quando li a orelha do livro com o resumo do currículo do autor que é jornalista na Inglaterra.. pensei.. não deve ser alguma coisa de cunho mais cientifico.. e até mesmo que fosse expressar posicionamentos mais senso comuns.,, e que não fosse me ajudar..

Mas aqui estou para reconhecer publicamente que o livro é muito bom.. e que fui reacionário na pré concepção formada  de forma totalmente precipitada. E por isso esta publicação neste espaço.

O livro traz todo o processo de formação conceitual e contextual da categoria científica do que hoje se conhece por juventude !! Através de uma leitura fluida, trabalhando com literatura, teatro, música, cinema e falas autênticas (da vida real e de carne e osso) da época! E Obviamente que muito bem contextualizado politicamente, com o pano de fundo social altamente complexo e perverso que a modernidade nos tem legado! Se parecendo até mesmo com um escrito antropológico, ao estilo Howard Becker ou William Foote White..!!

Recomendadíssimo para quem trabalha com a questão envolvendo infância e juventude primordialmente, e, sobretudo, com a questão criminal !!