terça-feira, 8 de março de 2011

Dia internacional da Mulher – do clichê à dominação quotidiana


Neste dia 8 de março se difundem e reproduzem comemorações, felicitações, promessas, festejos... Entretanto, entendo que neste dia, a maioria dos indivíduos deveria dirigir um pedido de desculpas pela reprodução de posturas que mantenham o paradigma patriarcal e sexista que vigora, e com força, na modernidade.

Não pretendo aqui desqualificar o dia ou as comemorações dos movimentos e grupos que lutam pela liberdade, alteridade, diversidade ao longo dos 365 dias ao ano, e ano após ano.. mas sim realizar uma reflexão em torno dessas datas criadas ou permitidas pela modernidade a partir de uma ideia de fetichização e louvação da pseudo-humanidade que é imposta, ao menos discursivamente, enquanto que nas práticas reais, a violência segue silenciosa (as vezes nem tanto) e sub-repticiamente sendo reproduzida e ampliada!.. ou ainda, meramente mais um motivo para voltar às compras.

Neste dia de hoje, penso que começa como mais um dia de luta, de produção de conhecimento e de se permitir reconhecer a diferença e a diversidade, e termina, quiçá, como sendo mais uma vitória, a cada pessoa com que se consiga agregar a esta luta, e romper com o ciclo de violência (num sentido bem pra além da violência física).


Assim, é de uma poesia e potencial de reflexão fantásticos a colocação de Eduardo Galeano, acerca do dogma do pecado original:

Se Eva tivesse escrito o Gênesis, como seria a primeira noite de amor do gênero humano? Eva teria começado por esclarecer que não nasceu de nenhuma costela, não conheceu qualquer serpente, não ofereceu maçã a ninguém e tampouco Deus chegou a lhe dizer ‘parirás com dor e teu marido te dominará’. E que, enfim, todas essas histórias são mentiras descaradas que Adão contou aos jornalistas (GALEANO, Eduardo. De pernas pro Ar. p. 70)

Assim, merecem felicitações, as mulheres e os homens, ainda que sem se aperceber, rompem com esta lógica invisível e insensível de determinações de espaços, de subjetividades, de identidades; são, portanto, transgressores insurgentes, contra hegemônicos neste sistema.

Sistema este que nada mais é do que um processo sistemático de violação e desconstrução do potencial cultural e identitário do feminino. Que se iniciou tão logo a sociedade começa a se estruturar como politizada, organizada e se estende ou perpetua até a modernidade:

Ao passo que, diante desta luta e possibilidade de sucesso ou se transformar no insucesso de toda causa ou objetivos cristãos pré- capitalistas de competição, produção, demonstração de poder e atribuição de dor ao prazer, a Cristandade, através do fenômeno da Santa Inquisição, dizima predominantemente as mulheres, aprofunda ainda mais o repúdio à sua cultura, sua história, corrompe seus valores e características, atributos e costumes, transformando-as em loucas, possuídas, bruxas (...); passando a gerir - criando aqui uma metáfora - o verdadeiro demônio desestabilizador da sociabilidade humana, a re-evolução científico-produtiva capitalista que se desenvolve nos séculos porvir, tendo a mulher como seu antagônico e oponente, dentro de casa ou no fundo de um calabouço, simbolizada pela “maldita” Eva, das santas escrituras, que a todas condenou, eternamente.
O calabouço veio com a modernidade, sob a bandeira da democracia, disfarçado de igualdade de escolhas e oportunidades para todos.  Potencializado pelo fenômeno, não novo, mas em ampla expansão, chamado globalização que extrapola os limites de possibilidades e oportunidades, de lucro, necessitando cada vez mais de demanda, consumidores desta lógica, que não se trata apenas de consumo, para de uma ideologia de tudo ter preço (LEAL; FAGUNDES; et all. Globalização e a modernidade Varônica – disponível para download)

Assim, ficam aqui as minhas felicitações aos indivíduos, aos grupos que subjetivam as dores do sistema e sem subtrair a voz dos envolvidos (vitimados) seguem e avançam em sua luta, à uma produção de conhecimento a partir de uma práxis reflexiva, na perspectiva de formação de corpos, subjetividades e culturas fortes a ponto de combater o depredador patriarcal, como diria Joaquín Herrera Fores.

E ainda, quiçá pudesse ficar o meu pedido de desculpas no lugar de todos, pelo ano (s) no qual se (re)produziu violência, vitimização, dominação..

Gostaria que este dia pudesse ser apenas um dia de reflexão, para que ele pudesse ser o último deste paradigma simbólico perverso!!!

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